sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dia Nacional do Choro




Neste dia de hoje, 23 de Abril, há 113 anos nascia Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha. É por esta razão que na data de seu nascimento (23 de abril de 1897) é comemorado o dia Nacional do Choro, data que foi sancionada por lei originada por iniciativa de Hamilton de Holanda e seus alunos da Escola de Choro Raphael Rabello. Homenagem mais do que merecida! Pixinguinha aprendeu música em casa, filho de flautista funcionário público que obtinha grande coleção de partituras de choro. Além de filho era irmão de músicos, entre eles Otávio Vianna, o China, que integrou o Conjunto Oito Batutas (1919), regional que incorporou o pandeiro e outros instrumentos de percussão ao choro, que até então, era formado essencialmente por violões, flauta e cavaquinho, quando não um oficlide (foto direita), antecessor do sax. Pixinguinha é considerado um dos maiores compositores da história da música brasileira. Logo aos 15 anos começou a atuar como músico nos cabarés da Lapa, até substituir o flautista titular na orquestra da sala de projeção do Cine Rio Branco. Sua presença era constante em casas noturnas, teatro de revista e nos ranchos carnavalescos, manifestação esta que foi importante na consolidação futura do samba como gênero musical pois era nestes festejos que muitas adaptações eram empregadas nos ritmos que conduziam o carnaval e a dança dos foliões, quando o Entrudo desgasta-se como brincadeira na época de carnaval devido à desorganização e falta de padrão nas brincadeiras que sempre extrapolavam em badernas reprimidas pela polícia da época. Por sua genialidade musical e por considerar que Pixinguinha nasce numa época de intensas mudanças sociais no Rio de Janeiro pela abolição da escravidão, que transformou a sociedade trazendo novas condições econômicas e novas camadas populares mais baixas, os negros abolidos. É por esses aspectos que podemos traçar paralelos que consagram Pixinguinha como o grande contribuidor para que o choro encontrasse uma forma definitiva, pois a sociedade e brasileira adentrava o século XX, imersa nos fundamentos republicanos, industrializando-se, com fortes influências de pensadores modernistas, transformados pelas manias e costumes franceses. Claro que é uma suposição, mas pode muito bem ter relação com as transformações que se instauram no Brasil República, na busca da identidade nacional, dos grandes debates étnicos que envolviam o grosso da população brasileira que se mistura em crenças, cores, culturas, dialetos, mitos por 3 séculos adentro. 



Por este motivo, é necessário esclarecer algumas questões que surgem quando se fala em Choro e Pixinguinha, especialmente. De fato Pixinguinha define ou se aproxima muito disso, mas para tal ocorrência é preciso haver um passado que se dissolve em novas interpretações e perspectivas que o próprio tempo modela e que a realidade social permite abrir caminho dentro das possibilidades que são arbitrárias quando na relação de eventos e coincidências que vão colocando pessoas nas vidas umas das outras. É justamente esse passado que foge do pensamento contemporâneo quando ele está imerso em artificialidades e absorto em propagandas consumistas que nos distanciam de nossa originalidade. Mas eu não gosto de TV. Não troco o bom e velho livro pela varredura das telas plasmáticas, exceto em ocasiões onde a tecnologia conspira com o pensamento crítico e evolutivo. Numa das minhas recentes investidas em punhados de livros, uma amiga me trouxe à experiência o José Ramos Tinhorão e finalmente pude ler seus livros e não artigos como antes. E não é que funciona! Tinhorão é fogo e ele foi às fundas nos trazer informações mastigadinhas. Em suas obras pude ter a real dimensão da profundidade e da extensão da música popular brasileira. Acredite, se você ouvir dizer qualquer coisa sobre o termo MPB, questione ou duvide. Não é tão simples assim exprimir ou resumir nosso passado. Como se vê estou enrolando com receio de escrever asneiras. Mas vamos lá! Considerando que o homem através do recurso da palavra, com significados e símbolos e adjetivos e substantivos e buscando um discurso eloqüente é possível denotar e conotar novas idéias. E é entendendo isso que por meio de estudos e registros o homem conseguiu expressar valores de épocas passadas e foi através da arte que essas expressões ganharam vida no imaginário popular. Tinhorão foi buscar a música, mas deve ter descoberto que aspectos sociais e econômicos não podiam ficar de fora do assunto, pois é nessa rede de relações e interações que as ações humanas conseguem se demarcar no tempo. E volto a dizer: a arte construiu o mundo no qual vivemos. 



Foi através desse pensamento que busquei construir minhas objetivações e procurei entender os processos que traçaram a história do nosso país, sempre atento em buscar fontes seguras de pensamentos, como Tinhorão, Gilberto Freyre e Sílvio Romero. Quando li "Musica Popular: da Modinha à Canção de Protesto" de Tinhorão, pude perceber que no Brasil, há muito tempo vem se buscando uma linha poética e que através dos séculos os mais consagradas literatos sempre tiveram extrema intimidade com a música, que pode ser considerada popular desde os tempos da Modinha do mulato Domingos Caldas Barbosa (foto ao lado) e sua viola. Pode se afirmar que a Modinha é o primeiro gênero de canto brasileiro dirigido ao gosto da gente das camadas médias das cidades. O irônico é ver que essas primeiras canções eram vistas como profanas e cobertas de indecências. E também é evidente a influência portuguesa, pois foi de lá que muitos instrumentos e gêneros musicais vinham, quando daqui voltavam riquezas minerais e especiarias para a corte. Outro fato importante foi a vinda da Família Real ao Brasil em 1808, que trouxe ao país uma nova elite, novos aspectos sociais e culturais, pois dessa forma novas infraestruturas foram empregadas à colônia que a partir de então passava a abrigar a Corte Portuguesa e Dom João VI e a rainha louca. Só no Brasil pra acontecer essas coisas! Desse modo, novas políticas foram aplicadas, novas resoluções comerciais envolvendo Inglaterra e a abertura dos portos no contexto da guerra peninsular, dias após a chegada ao Brasil. Esse evento acabaria com o pacto colonial onde o Brasil tinha exclusividade na relação com Portugal, fato esse que colaborou para a independência do Brasil e diga-se de passagem, um fato muito estranho, pois a independência se deu nas margens do Ipiranga, só que em São Paulo. E o que São Paulo tem a ver com a independência se a Corte ficava no Rio? São Paulo sempre foi o centro financeiro do país e foi nessas terras que os conceitos republicanos ganharam expressão, pois os filhos de aristocratas cursavam faculdade na Europa. Foi talvez a primeira Independência sem revolta popular. O povo tava pra lá de Bagdá. E se os paulistas eram bons de fazer dinheiro com cana e café, os cariocas eram bons de fazer arte e cultura, pois foi com a vinda da Corte que chegaram pianos, novos gêneros e ritmos, inclusive a Modinha de Caldas Barbosa, que tempos antes havia conquistado a Europa e voltado ao Brasil já alterada. Aqui o que havia para divertimento eram as festas ou forrobodós nas casas dos populares que não tinham acesso aos bailes da Corte Real. E quem animava as festas nas casas eram os mestiços das camadas inferiores, que tinham renda suficiente para comprar violas, violões e cavaquinhos. No Brasil Império quem ditava a "moda" eram os poetas românticos e os seresteiros e o som que saía da cidade era a música dos barbeiros, isso mesmo os barbeiros. A partir dos batuques e percussões dos negros, surgiram canções através do desdobramento melódico dos estribilhos por tocadores de viola branco e mestiços, a música dos barbeiros, pois aprendiam a solfa nos colégios dos jesuítas desde o século XVI. Se a música inicialmente era usada para catequizar, pois utilizava da habilidade dos índios e negros tocadores, essa cultura européia entrou em choque com a confusão social dos séculos XVI e XVII e se estendeu até a metade do século XVIII, quando novas ordens sociais organizavam e distribuíam os povos que saíam das zonas rurais e passariam a habitar as cidades, formando o povo da cidade. Nessa, a música já estava sendo adaptada aos costumes e misturas do povo e futuramente a categorização de cargos que se tornavam precisas para organizar as classes nas cidades deu  liberdade necessária para a efetivação da nossa música enquanto popular e autêntica, pois sempre os novos rumores musicais saíram de classes mais baixas e que tinham cargos públicos, como é o caso do pai de Pixinguinha, ou profissões comerciárias que os tornavam autônomos, isso com a mistura dos cantos dos negros que mesmo trabalhando cantavam, o ócio dos barbeiros que faziam outros trabalhos que lhes davam notoriedade e tempo e mãos livres para desempenhar a música sem preocupação ou funcionalidades. E ao passo que a cidade se organizava e estruturava, os músicos e a música se organizava também. 




Quando o século XIX passa da metade, muitos grupos musicais já haviam se estabelecido enquanto manifestação social e popular. E tudo que vinha de fora era adaptado aos violões, flautas e cavaquinhos,   pois a partir de 1835, o termo "chorões" já era registrado por Alexandre Gonçalves Pinto, músico, que relatava a vida e obra de seus amigos músicos no livro O Choro - Reminiscências dos Chorões Amigos, onde é possível estabelecer relações cruciais ao surgimento ou coroamento do choro de Joaquim Callado, a quem se dá o mérito de pai dos chorões. Seu grupo era formado por sua flauta solo e cavaquinho e dois violões, que eram capazes de improvisar sobre o acompanhamento harmônico. Podemos interpretar o ocorrido com Joaquim Callado da seguinte forma: seus companheiros chorões conseguiram fixar um novo modo de interpretar modinhas, lundus, valsas e polcas. Dentre estes seus amigos estão Viriato Figueira (figura da esquerda) e Chiquinha Gonzaga (figura da direita). E assim o século XX chega para consagrar a música brasileira, com a chegada dos primeiros gravadores junto à Casa Edson. Entramos dessa forma numa nova era, a Era da Informação, conseguida como muitos afirmam com a advento das guerras. A partir de 1902, quando chega ao Brasil os primeiros gravadores, nas próximas décadas a tecnologia avança e no Brasil acontece a primeira transmissão em 1922, inaugurando assim a Era do Rádio. O choro e o Brasil já haviam conhecido Pixinguinha e outros chorões, mas aquilo que se inicia por volta de 1830, ganha corpo em 1870 e vida com Os Oito Batutas, desfalece na década de 30, quando o samba se impõem como produto nacional na campanha de Getúlio Vargas. Aqueles velhos chorões ensacaram os seus violões e guardaram as flautas nos baús, mas o que era primeiramente visto e tido como um jeito novo de tocar, harmonizando e improvisando sobre músicas avulsar, passou a ser reconhecido como gênero musical, o Choro. E  dessa escola se fizeram muitos e muitos chorões e grandes instrumentistas que se eu for citar dá umas 200 linhas. Mas não vou deixar de falar de nomes piracicabanos ligados ao choro como o professor Sérgio Belluco, seu aluno Alessandro Penezzi, a grande revelação Marcos Moraes e Marco Abreu, nosso Pixinguinha piracicabano, que está lançando neste dia de hoje seu Soonbook com composições próprias. E tem gente boa vindo aí, atentem para Marcus Godoy, Leandro Oliveira e Rafael Barros. E viva o choro brasileiro!
Saulo Ligo                                                                                                                      

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