quarta-feira, 21 de julho de 2010

Mestre Candeia

Vou pelas minhas madrugadas a escutar samba e escrever o que se passou, pois não é toda dia que tem roda de samba...mas bem que poderia. Agora pouco me veio à lembrança um samba de Candeia, Pintura sem Arte, e com ele uma enxurrada de pensamentos, neles veio o Projeto 14 Sambas, que comemora 5 anos de samba e quem puxou o verso inicial foi Mestre Candeia. Aí pensei logo: por que não fazer uma roda cantando os sambas de Candeia e relembrar o projeto, minha justificativa é não ter participado do primeiro Projeto 14 sambas, pois não conhecia a querida e hoje minha escola de samba, Comunidade Quilombola, pois foi onde aprendi o que é uma roda de samba tradicional. Mas antes de articular esta roda com a força dos amigos, vale a pena comentar a obra e vida de Antonio Candeia Filho, um autêntico sambista brasileiro.

Biografia Comentada





Antônio CANDEIA nasceu em 1935, no dia 17 de agosto e cresceu no bairro de Oswaldo Cruz, berço da Portela. Sua infância foi marcada pela vida cultural regada de choro, influência do pai flautista, de samba e partido alto, pois conhecera Paulo da Portela, Claudionor Cruz, Zé com fome e Luperce Miranda nas rodas familiarizadas desde criança. Candeia se forma num ambiente marcante para a música popular, o período de formação e estruturação das escolas de samba do Rio de Janeiro, onde conceitos de identidade nacional e tradição popular eram delineados pelas festividades carnavalescas, diante da mais pura manifestação cultural de um povo, da qual se instaura as bases do carnaval brasileiro, dos desfiles organizados e temáticos, envolvendo comunidades representadas por pessoas que traziam o samba como bagagem cultural de vivencia e porque não, de resistência popular. Provavelmente, o contexto em que se formou sambista foi de crucial importância para e efetivação de seu nome na história da música brasileira, considerando que Candeia era frequentador da Escola de Samba Vai Como Pode, que deu origem à Portela e que daria suporte para nos anos 70 participar de um movimento de resistência à imposições externas que mudariam o rumo das escolas de sambas, defendendo que tais influências poderiam distorcer (e como distorceram!) a concepção de cultura construída pelo povo em relação ao samba. A crítica de Candeia e outros integrantes portelenses, entre eles Paulinho da Viola, era que na década de 60 muitas pessoas sem identificação com o samba passaram a modificar a escola e interferir estruturalmente no carnaval, chegando a deturpar os sambas antes comuns aos portelenses que viviam o dia a dia da escola e da comunidade. Quero ressaltar a importância desse fato, documentado e passível de análises que condizem com as angústias dos questionadores portelenses que discutiam os rumos particulares e portanto identificados com a história da Portela, pois realmente as modificações explicitadas foram incorporadas e espetacularizadas no carnaval, distorcendo o seu real sentido de manifestação popular para produto comercial.
A postura de Candeia demonstra seu braço firme e pulso forte pelo samba e suas razões, comprovado em seus sambas, marcados pela poeticidade autêntica do sambista que nos permite separar seus 30 anos de composição, pois começou compor aos 13 e morreu precocemente aos 43 anos. A primeira fase condiz com sua formação de sambista, com forte influência do partido alto, do comprometimento com as causas e políticas negras, das letras marcadas pelo sofrimento do pobre, do marginal, das injustiças, dos preconceitos. Em 1957 entra para a polícia, pois era uma atividade que trazia certa segurança financeira e prestígio social em detrimento do preconceito racial, mas sua história na milícia acaba trágica. Numa batida policial em 65, Candeia descarrega a pistola nas rodas de um caminhão abordado e acaba surpreendido pelo motorista que desfechou cinco tiros, um deles alojou-se na medula óssea. Paralítico, afastou-se da profissão, mas o trauma de vida perturbou-lhe e assim começa a segunda fase de sua obra musical. O acontecido acometeu depressões que foram expressas em frases desinteressadas do presente e passado, mas que Candeia carregaria como marca poética em sambas falando sobre questões existencialistas e filosóficas demonstrando o abalo psicológico e das dificuldades que passa a enfrentar. Felizmente a filosofia do samba canta mais alto e a chama de Candeia se eternizou em sambas saudosos e que revivem nas rodas de samba em todos os cantos do país.
Superando todas as adversidades e cantando outras, Candeia teve a trajetória artística impecável e traduziu em sambas suas idealizações e concepções a respeito do samba e suas raízes. Ganhou o enredo do carnaval com 17 anos, formou conjuntos de compositores, foi gravado por muitos artistas, escreveu livro e lançou discos com outros grandes nomes do samba como Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, ilustrados na foto. 


Para finalizar a postagem, fiquem com o samba "Pintura sem Arte" de Candeia, para ilustrar a profundidade  das letras, nesta em especial, pois trata do acidente que o imobilizou as pernas e conduziu uma fase poética marcada pela tristeza e lamento dos versos. 








PINTURA SEM ARTE Candeia

Me sinto igual a uma folha caída
Sou o adeus de quem parte
Pra quem a vida é pintura sem arte
A flor esperança se acabou
O amor, o vento levou
Outra flor nasceu é a saudade
Que invade tirando a liberdade
Meu peito arde igual verão
Mas se é pra chorar, choro cantando
Pra ninguém me ver sofrendo
E dizer que estou pagando

Não, não basta ter inspiração
Não basta fazer uma linda canção
Pra cantar samba se precisa muito mais
O samba é lamento, é sofrimento, é fuga dos meus ais
Por isso eu agradeço a saudade em meu peito
Que vem acalentando o meu sonho desfeito
Jardim do passado, flores mortas pelo chão

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