sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Crítica



Poucas pessoas tão densas e interessantes terei conhecido quanto Nelson Cavaquinho. Lembro-me de que ele me foi apresentado por Sérgio Porto no Zicartola, o lendário bar de Zica e Cartola na Rua da Carioca.
“- Este aqui, chapinha, é o cantor e compositor Nelson do Cavaquinho, que não é do cavaquinho, mas do violão. Que não é cantor porque é rouco e desafina. Mas te garanto que compositor ele é, e dos melhores, apesar de ter o mau hábito de vender muitos dos seus sambas”.
Nelson, já mais pra lá do que pra cá, olhou Sérgio de alto a baixo e disparou com afeto indisfarçado: “- Ah, é? Pois então, pra você deixar de ser besta e metido a dono da verdade, vai me pagar a conta dos meus comes e bebes desta noite”.
O poeta – começando a fazer seu auto-retrato ante meus olhos – comandou o máximo de “bebes”, o mínimo de “comes” e fez duas ou três aparições no palco do bar durante a noite.
Foi ali naquele encontro em que todos bebemos mares de uísque e chopes, que descobri um dos sujeitos mais originais que conheci em toda a minha vida. E por várias razões: a primeira era o tipo físico do Nelson, atarracado e pequeno, mas admirável pela cor de bronze luzidio, que fazia contraste com uma cabeleira branca, bela e vasta. Seu rosto, expressivo e forte, era quase sempre emoldurado por um grosso par de óculos que fazia dele uma figura severa. Seu todo era triste. E quando cantava, atracado ao violão que mais parecia um náufrago agarrando sua tábua, saía dele uma carga magnética, rigorosamente indefinida, que me comovia a cada música.
Ah! A música do Nelson. Que sambas, que letras, que unidade estilística, que originalidade!
Na noite em que o conheci, ele cantou músicas tristes e que falavam de morte, de enterro, de corações partidos, de despedidas.
Ao final, impressionadíssimo com o que acabara de ouvir, bradei pro Sérgio Porto, do alto da minha pretensão, só perdoável pelos insuportáveis vinte e poucos anos: “- Mas é o nosso Boris Vian, ou melhor, é o nosso Sartre da Mangueira”.
“- Deixe de ser coroca, chapinha, você não vê que Nelson dá de dez nesses filósofos chatos?”
Dava. E dará sempre, a quem se dispuser a ouvir sua grande arte carioca. E universal.

Ricardo Cravo Albin




terça-feira, 2 de agosto de 2011

Próxima homenagem, 03 de Setembro de 2011


Nelson do Cavaquinho - 100 anos


Biografia


Seu envolvimento com a música inicia-se na família. Seu pai, Brás Antônio da Silva, era músico da banda da Polícia Militar e seu tio Elvino tocava violino. Depois, morando na Gávea, passou a frequentar as rodas de choro. Foi nessa época que surge o apelido que o acompanharia por toda a vida.
Casou-se por volta dos seus 20 anos com Alice Ferreira Neves, com quem teria quatro filhos e na mesma época consegue, graças a seu pai, um trabalho na polícia fazendo rondas noturnas a cavalo. E foi assim, durante as rondas, que conheceu e passou a frequentar o morro da Mangueira, onde conheceu sambistas como Cartola e Carlos Cachaça.
Deixou mais de quatrocentas composições, entre elas clássicos com “A Flor e o Espinho” e “Folhas Secas”, ambas em parceria com Guilherme de Brito, seu parceiro mais frequente. Por falta de dinheiro, depois de deixar a polícia, Nelson eventualmente “vendia” parcerias de sambas que compunha sozinho, o que fez com que Cartola optasse por abandonar a parceria e manter a amizade.
Sua primeira canção gravada foi “Não Faça Vontade a Ela”, em 1939, por Alcides Gerardi, mas não teve muita repercussão. Anos mais tarde foi descoberto por Cyro Monteiro que fez várias gravações de suas músicas. Começou a se apresentar em público apenas em 1960, no Zicartola, bar de Cartola e Dona Zica no centro do Rio. Em 1970 lançou seu primeiro LP, “Depoimento de Poeta”, pela gravadora Castelinho.
Suas canções eram feitas com extrema simplicidade e letras quase sempre remetendo a questões como o violão, mulheres, botequins e, principalmente, a morte, como em “Rugas”, “Quando Eu me Chamar Saudade”, “Luto”, “Eu e as Flores” e “Juízo Final”.
Com mais de 50 anos de idade, conheceria Durvalina, trinta anos mais moça do que ele, sua companheira pelo resto da vida. Morreu na madrugada de 18 de fevereiro de 1986, aos 74 anos, vítima de um enfisema pulmonar.
No carnaval de 2011 a escola de samba G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira homenageará Nelson Cavaquinho pelo seu centenário. “O Filho Fiel, Sempre Mangueira” é o nome do enredo que a agremiação levará para a avenida. O músico era torcedor da escola de samba carioca.