Se um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, não sei o que pode ter acontecido por aqui. Como pode ter chovido tantos talentos novos em terras tão secas e inférteis de sentimento e como pode plantas cresceram em meio ao veneno insólito das arbitrárias pujanças patriarcais e provincianas. Não deve existir resposta plausível, pois a pergunta não precisa ser respondida e nem deveria. Talvez a vida não possa ser explicada assim tão simples, pois se revela sempre fracionada pelos prismas ideológicos. Ou tudo seja apenas questão de negócio mesmo, onde o lucro é moeda que não se vê.
Por que tanta acidez para se falar de um sentimento tão desejante como foi o que senti ao ver e escutar meus amigos, e não porque são meus amigos, mas porque realmente impressionam pela vitalidade e espontaneidade com que expuseram seus instrumentos dentro de um gênero, ainda mais se tratando de choro, tão requintado e sofisticado, mesmo pela extensão do tempo dentro da história da música popular. Um gênero de 130 anos e que se articula pelas mãos jovens de instrumentistas, revelações de um cenário abastado e tratado como peça de museu. O choro, tão vigorante, cheio de velhas melodias novas, precioso e engalanado, majestoso e cortês. De fato não é para qualquer palheta, principalmente essas que rasgam as cordas como tudo se fosse só tensão. Mas não é por isso que devemos esmagar a possibilidade de nos entusiasmarmos com ritmo tão alucinante, minucioso, dos improvisos dolentes, daqueles que extravasavam todo o salão. Pois foi bem assim que meu interior repercutia enquanto assistia o regional do Rafael Barros, bandolinista que conduziu a noite dedicada ao choro, iniciativa do Núcleo Musical Xô Segunda, na pessoa de meu amigo Crânio ou o Fábio do Ecos. O lar do choro foi o bar do Quatizinho, espaço impulsionador da boemia piracicabana que aconchegou uma centena e algumas dezenas de pessoas na segunda-feira chuvosa de outubro. E os ouvidos foram atentos. Prova de que a música clama por seu espaço efetivo, pois o público mostra-se sedento e carecente de cultura.
Agora eu me pergunto, onde estão as casas de show e os teatros que esses jovens talentos possam se apresentar e mostrar que a juventude não é só besteirol americano? Piracicaba revela-se celeiro de novos talentos, herdeiros de uma geração que parece ter relegado nossas manifestações culturais autênticas, (como é o caso do choro e do samba e tantos outros gêneros brasileiros) geração convalescente com a cultura estrangeira que dominou nestas últimas décadas nossos meios de comunicação e, portanto, de influências artísticas, exaltando e promovendo somente a ânsia mercadológica, sem se preocupar com o papel socializante das tradições populares e suas manifestações na formação dos indivíduos. Nos tempos do materialismo liberal, os impulsos consumistas indicam os valores de uma sociedade, no que diz respeito às suas formas de exposição mercadológica de seus produtos e bens culturais. A relação entre arte, educação, produto e cultura, revelarão dados sociológicos de como será a recepção das futuras gerações quando postas em choque com as antigas tradições. Digo isso com o desejo alarmante de refletirmos os rumos de nossa cultura. E não é o caso de nos tornarmos xenófilos ou territorialistas extremos, mas sim de pensarmos como as metáforas e abstrações populares brasileiras, o folclore e seu caráter lúdico pode interferir nos processos de formação dos indivíduos nas impessoalidades da educação formal, que necessitam de cultura, a dimensão racional dos seres. E como a falta de tais fundamentos pode causar desvios de estradas sem retorno ao princípio cultural.
Vamos entregar essa responsabilidade a quem? Aos camaradas do poder em questão, aos liberais extremistas, ao povo inerte e intoxicado, aos catedráticos criadores de problemáticas? Quem poderá nos defender? O Chapolim é mexicano...talvez o Sílvio Santos, ou o Patolino... Ah! E o Barak?
Saulo Ligo
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