quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Histórias do Carnaval

INTRODUÇÃO

Saulo Ligo, compositor, comunicólogo e músico

Este artigo traz em 3 capítulos a história da formação dos principais blocos de carnaval do Rio de Janeiro e desta forma do Brasil. Em especial o bloco Cacique de Ramos, responsável por uma mudança significativa na tradição do samba no decorrer da década de 60 até os dias de hoje. Modificações que estão sendo delineadas pelo tempo e pela disposição artística pela qual passa a grande mídia e os focos menos privilegiados de novos sambistas e compositores. Desconhecidos, porém novos e sedentos pelo espaço na história da cultura da música popular brasileira

"Cidade, quem te fala é um sambista
Anti-projeto de artista, teu grande admirador."
Paulo da Portela



A Cidade Mulher, de Paulo da Portela, nos tempos que o Brasil ainda estava coberto, antes dos Cari chegar, tudo isso onde pisamos e existimos e vivemos, era Ibi dos Abás, ou terra do homem índio, em Tupi-Guarani. A história do Brasil começa a ser contada em 1500, com a "descoberta", mas a estória já estava sendo contada em Tupi-Guarani, língua dos índios que aqui moravam. E uma porção deles, os Caiapó, os Tupinambá, os Cariri, que sambavam e muito, segundo diz Bernardo Alves, pesquisador pernambucano dos anos 60 e 70, autor do livro "A Pre-História do Samba". Dizem que em 1502, Américo Vespúcio, sim! aquele mesmo, que descobriu as Américas (dizem que foi ele) ao passar pela Baía da Guanabara, ficou embasbacado com o que via, e pensando ser um rio, ou um pará, deu o nome de Rio de Janeiro. No ano seguinte, um tal de Gonçalo Coelho, pousou na praia onde hoje é do Flamengo, junto a foz de um riacho e contruiu ali uma feitoria. O riacho, por conta desse Gonçalo passou e se chamar Rio Carioca. Isso na língua dos Tamoios significava casa de branco, ou seja, cari ou homem e oca, casa. Carioca, povo bão de samba, que só! Samba que no Rio de Janeiro ganha expressão nacional, o samba do Estácio. Na história do Brasil, Estacio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, é quem funda a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, na praia de Fora, entre o Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão. As praias da Baía de Guanabara era lugar das tabas do índios Tamoios. A história também conta que Ismael Silva, junto aos bambas de lá do Estácio, montam o bloco Deixa Falar, devido às perseguições que sofriam com as mudanças que impunham ao desfilar, mudança essa foi a introdução do surdo, para dar a entrada do coro na volta da primeira parte do samba. No Largo do Estácio havia uma Escola Normal, daí Ismael Silva tirou a idéia de montar a Escola De Samba com o pessoal da Deixa Falar, um seleto corpo docente que formaria a academia do samba, no sentido mais pedagógico da palavra, e entre eles estavam Mano Aurélio, Nílton Bastos, Armando Marçal, Mano Rubens, Baiaco, Brancura, Heitor dos Prazeres, Mano Edgar, Bide e Juvenal Lopes. Outros blocos conhecidíssimos na época era o bloco dos Arengueiros e o bloco Estação Primeira, que Cartola organizaria a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira e blocos de Madureira que formariam a Portela, outra tradicional Escola de Samba.

Ramos, a capital de Leopoldina

A Zona Norte do Rio de Janeiro, compreende talvez os principais bairros da cidade. Dos bairros mais afamados como Tijuca, Maracanã e Jardim Guanabara. Lugares de intenso mercado popular como Madureira, Penha e Meier. Outras mais pobres como Mangueira, mas de grande efervescência artística, nada menos que Cartola e Nelson Cavaquinho são de lá. E também bairros que se industrializaram no começo do século XX, como Bonsucesso, Olaria e Ramos, na zona de Leopoldina. Esses dois últimos são especiais neste capítulo. Antigamente, no final do século XVI, aquelas terras foram divididas em duas sesmarias: a de Inhaúma e a de Irajá. Eram terras boas, à beira mar, tanto para a pesca quanto para a lavoura. Nas imediações eram comuns fazendas e engenhos de cana de açúcar, que predominavam com sua economia rural. A comunicação e a troca de mercadorias com a cidade era feita por estradas irregulares, dos tempos coloniais. Mais tarde com a chegada dos trilhos de trem, a monocultura deu lugar aos cafezais, com seus casarões situados em pequenas chácaras. Possivelmente a mão de obra era escrava. Isso caracterizaria a sociedade que ali era formada, dentro da miscigenação natural do país. Em meados do século XIX, a fazenda Nossa Senhora do Bonsucesso é desmembrada e uns dos lotes forma o coração de Ramos e Bonsucesso. Durante o reinado de Dom Pedro II que o bairro de Ramos começou sua história. O bairro começa a se estruturar, escola primária, cursos técnicos, teatro, cinema e a famosa praia de Ramos se desenvolve. E com o desenvolvimento vem a cultura, e claro, o carnaval. No início do século XX, os primeiros registros das festividades com a criação do Clube Familiar Carnavalesco Promptos de Ramos. E assim, outras sociedades foram criadas: O Clube dos Endiabradosde Ramos e os foliões do Ameno Heliotropos. Mais tarde, foi criado os Banhos de Mar à Fantasia, e outros blocos apareceram: Sai como Pode, Sereno de Olaria, Paixão de Ramos, Razão de Viver e o Boi da Coroa. Em 1931, surge a Escola de Samba Recreio de Ramos e tinha entre seus fundadores Armando Marçal, que foi vice-presidente da escola. Lá ocorriam afamadas rodas de samba, frequentadas por Mano Décio da Viola, Heitor dos Prazeres, Bide, que lançou ali o samba Agora é Cinza junto com Marçal, e Pixinguinha, que morava em Ramos e fazia em sua casa rodas de choro e grandes noitadas de serestas. Pixinguinha em 1956 compôs o Hino de Ramos, em homenagem à comunidade que sempre o reverenciou. Até o Maestro Heitor Villa-Lobos frequantava os pagodes de Ramos, compromissos que o levaram a se encantar por uma das moradores do bairro. Quando o Recreio de Ramos começa a se esvaziar até seu desaparecimento no final da década de 60, surgem duas novas agremiações: a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, em 1959, e o Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos, fundado em 1961. Assim começa nossa História de Carnaval e o samba começa a ganhar uma nova forma com o futuro promissor do Bloco Cacique de Ramos, que seria o bloco mais famoso do Rio de Janeiro.

Aspectos sociais, o Cacique de Ramos e o samba

Década de 60. A esfera política no mundo está em transformação, mudanças sociais e de pensamentos. A sociedade da época tinha na bagagem toda a carga das reestruturações geopolíticas, herança da década de 50 e da Segunda Guerra Mundial. Assim o mundo estava dividido em dois eixos: Capitalistas e Comunistas. Fora toda carga trazida da era moderna, das grandes navegações ao desconhecido, as investigações científicas, os filósofos iluministas que deixavam o teocentrismo e o feudalismo para trás, colocando o homem e a razão no centro do universo, a ascensão da burguesia nas classes sociais, a revolução industrial e os novos conceitos trabalhistas, mesmo não tendo direitos, só conquistados na Revolução Francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade! e uma relação de mercado visando a produção numa ótica cada vez mais globalizada. As Grandes Guerras marcaram profundamente as nações, derramando sangue e estabelecendo critérios de raça cruéis disseminando o preconceito racial no mundo, mas forçaram o avanço tecnológico, talvez fato imprescindível ao conceito da internet, com o domínio das ondas de freqüência e a tecnologia. O Rio de Janeiro estava em constante transformação e a capital se transferindo para Brasília em 1960, no governo de Juscelino Kubitschek. Seu sucessor Jânio Quadros governa por 7 meses e renuncia. Então, seu vice João Goulart assume a presidência, mas sob pretexto de influências e tendências comunistas de Jango, em 31 de março de 1964 um conjunto de manobras políticas culminariam no golpe militar e uma ditadura de 21 anos, isso tudo incitado pelo Golpe de Estado aplicado no dia 1º de Abril...até parece mentira! É neste ambiente que jovens na média de 20 anos de idade criam o Bloco Cacique de Ramos, que foi fundado em 20 de Janeiro de 1961, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade, na rua Uranus em Olaria. O projeto cultural do bloco trouxe como símbolo a imagem do índio, a história e a voz do povo, que estava preocupado com o carnaval carioca, a principal manifestação cultural da cidade.
A imagem do índio, na vez de cacique, remonta toda a história do Brasil, do passado e do trajeto a seguir para o futuro. Entre os fundadores estavam jovens com nome de índio, como Ubiraci, Ubirani, Ubirajara, Aimoré e Maíra, todos dados por motivos religiosos. Muitos moravam nos subúrbios de Leopoldina como Ramos, Olaria e Bonsucesso e saim pelas ruas no carnaval vestidos de índio, pulando e dançando, milhares de índios. Desde o fim da década de 60, as rodas de samba ficam freqüentes na quadra de ensaio do bloco. Ali eram cantados e resgatados os sambas tradicionais feitos em terreiros de sambas das escolas e a própria tradição de se fazer samba em fundo de quintal, chão de terra e quadra. Desse encontro de sambistas e reuniões de pagodeiros e partideiros, no sentido puro da palavra, que nada mais é que reunião de sambista para se fazer samba, surge o grupo Fundo de Quintal, apadrinhado por Beth Carvalho, que em 1978 convidou o grupo pra gravar em seu disco "Pé no Chão". O grupo fundamenta-se em torno de dois irmãos, um o Bira Presidente, nome que categoriza sua função no Cacique de Ramos e o outro Ubirani, filhos de pais extremamente representativos no mundo do samba. O pai é sambista nascido no Estácio, amigo de grandes nomes do samba e a mãe é prestigiada mãe de santo, formada na tradição umbanda e iniciada aos 16 anos no terreiro de Mãe Minininha de Gantois, na Bahia. Os outros integrantes são Almir Guineto, que introduziu o banjo, Sombrinha e Jorge Aragão, na harmona e Sereno e Neoci nas percussões, este último filho de João da Baiana, um radical do pandeiro no Brasil. O grupo, transformados pelo contexto social, movidos por incrível criatividade musical, trazendo um remolde dos padrões sonoros e timbres de percussões, que antes não faziam parte do tradicional, como o repique de mão, inventado por Ubirani, o tantãn, criado por Sereno, o banjo, instrumento que Arlindo Cruz iria fazer história, depois que entra para o Fundo de Quintal, com a saída de Almir Guineto e Jorge Aragão em 1981 para seguirem carreira solo, e o falecimento de Neoci. O samba de estava de cara nova, com elementos novos e que haviam caído nas graças do povo. Com isso, todo um plano mercadológico é construído, pelo apelo popular e novos pagodeiros e batuqueiros e compositores e cantores surgiam nas rodas do Cacique. O mercado vai ficando inflamado e o nome pagode vai sendo difundido e requisitado, novos nomes, novos sambas falando das coisas do subúrbio, numa linguagem nova, restaurada, quebrando paradigmas e estéticas no jeito de cantar, dando espaço ao improviso, ao cantar à vontade e um novo modo de expressar o samba. Dali saem novos grupos, que sustentados artisticamente pelas novidades caciqueanas vão ganhando espaço na mídia, ganhando mais apelo popular, rádios, programas de TV e o que era um subgênero, vira sinônimo de samba. O pagode ganha dimensões estilísticas e vai pelas décadas de 80 e 90 a dentro, contaminando as classes equivalentes no país todo. As gravadoras e editoras sustentam hoje um grande império do pagode que foi construído sob a imagem do samba e muitas vezes a história ficou contada pela metade, deixando de lado alguns itens que identificam o samba enquanto gênero de grande circulação e consumo popular. O samba de fato marca como um giz, por isso é preciso cuidado ao perceber a arte através do tempo. Como a própria frase diz, o giz ele marca mas não cicatriza, deixa o tempo e o caminho da arte direcionar seu rumo, baseado nos costumes sempre contemporâneos mas não desvinculados do passado histórico da música que deve ser sempre respeitado e compreendido. Dessa forma, as tradições populares, os costumes regionais e característicos de cada localidade, com seu sotaque, sua cor, sua dimensão deve ser preservado, para assim o samba ser eterno. Eterno porque é raiz. Radical é aquele que busca nas raízes.

ASSISTA este pequeno documentário sobre o Cacique

2 comentários:

Fábio disse...

Intenso e denso, uma antologia do Cacique muito bom o texto. Ai Saulo te mandei um email que acho que ira ajudar nos vídeos .. Bom carnaval ai companheiro!! Abç

Tuninho Cabral disse...

Muito bom, Saulo. Vc conhece e também gosta do nosso querido CACIQUE DE RAMOS. É com grande satisfação e orgulho que vejo, leio e divulgo "aos quatro cantos da Terra" todos os assuntos do Cacique. Esse é mais um. Mostrarei ai amigo e irmão Bira Presidente e ele também ficará orgulhoso e agradecido. Forte abraço, boa sorte e saudações caciqueanas. Tuninho Cabral.